O aparecimento de fenómenos violentos constitui o resultado do cruzamento de factores diversos, sejam eles individuais, sociais ou culturais, constituindo a violência concreta, tal como pode ser identificada nas escolas, a consequência de combinações de sentido variável desses mesmos factores. A forma como nos discursos correntes são agrupados fenómenos e condutas extremamente diversas coloca problemas analíticos, pois supõe uma homogeneidade em que existe uma variação de grau e não de natureza, que não tem correspondência na diversidade de situações e representações dos actores sobre os fenómenos designados sob o nome da violência na escola.
Estas concepções pressupõem que existe uma continuidade e uma gradação linear de incidentes como pequenas transgressões para actos de violência mais graves, embora não seja claro que as situações de indisciplina se traduzam necessariamente por uma linha de progressão para ocorrências de violência declarada. Uma parte desta identificação resultará do facto de as situações de comportamento disruptivo persistente (indisciplina ou diversas formas de incivilidade) se revelarem desgastantes para os professores e alunos contribuindo para uma degradação progressiva do clima escolar e das condições de aprendizagem.
Outra das dificuldades identificadas na análise do fenómeno prende-se com a distância entre as representações de cada escola sobre a violência e a realidade das ocorrências registadas em cada estabelecimento. A análise dos registos das ocorrências comunicadas ao Ministério da Educação reflecte este problema, pois algumas escolas comunicam situações em que os alunos desobedecem a uma ordem de um professor e um funcionário (o aluno falou alto na sala de aula, o aluno levantou-se sem autorização, ou respondeu “torto”), enquanto outras escolas referem que é relativamente comum alunos dirigirem-se aprofessores, funcionários e entre si desta forma (tendo sido naturalizado, e por isso deixado de ser considerado?)
Noutros contextos, a violência reportada está mais associada a questões de civilidade, onde não existe violência que implique contacto físico, em que os registos se centram ao nível de agressões verbais sobretudo entre pares mas também com adultos. No caso das incivilidades, coloca-se de forma pertinente a questão da linguagem, pois são conhecidas as diferenças de registos linguísticos entre algumas camadas das classes populares e os contextos escolares. A partir de que patamar pode ser considerado o uso de uma determinada linguagem (que expressões ou palavras? Em que tom? E em que circunstâncias?) como injurioso ou violento?
Inquéritos realizados em França revelam dificuldades de semelhantes. Os insultos e mesmo determinado tipo de contacto físico entre alunos são considerados como violência por cerca de 60% dos professores, enquanto apenas 9% dos alunos o consideram com tal (Rochex, 2003). O insulto, e as pequenas agressões em contextos de grupo não são necessariamente considerados como violência para os alunos. Por outro lado, algumas afirmações de professores, que assumem a forma de veredictos ou certas rotulagens como, “nunca vais conseguir”, “não te vais safar no exame”, são vividos e sentidos pelos alunos como actos extremamente violentos, sem que os professores tenham consciência disso.
Em algumas situações verifica-se uma certa naturalização da violência, as ocorrências muito graves são precedidas por pequenas transgressões e comportamentos disruptivos em que não houve intervenção, como pequenas violências quotidianas, tendo as escolas apenas tomado atenção aquando da súbita irrupção de situações mais graves. As escolas não têm uma concepção razoavelmente delimitada sobre que tipo de ocorrências consideram pertinente reportar, existindo escolas que comunicam todo o tipo de incidentes associados a questões de indisciplina, enquanto outras escolas reportam muito poucos incidentes, mas todos eles de situações de violência muito graves.
Os registos das ocorrências comunicadas ao Ministério da Educação apresentam também outra tendência: uma parte significativa dos registos é relativo a situações que envolvem adultos (funcionários, professores, guardas, etc.) que estiverem de alguma forma envolvidos nas situações ou presenciaram a ocorrência.
Algumas escolas concentram os seus relatos nos incidentes entre adultos e alunos, em tempos lectivos ou que envolvam a danificação do espaço físico. Desta forma ficam por registar as situações que ocorrem diariamente envolvendo os protagonistas (agressores e as vítimas) mais comuns: os alunos. Muitas escolas não reportam incidentes envolvendo situações nos recreios, quando os dados globais dos relatórios e alguns estudos realizados referem que a maior parte dos incidentes ocorrem entre alunos fora do contexto de sala de aula.
O artigo que divulgamos de seguida tem como base um estudo efectuado em várias escolas da periferia de Lisboa sobre o fenómeno da violência. Tratando-se de um fenómeno complexo a escola revela diferentes formas de interpretar a violência escolar que se reflete nas ocorrências que são registadas e comunicadas ao Ministério da Educação.
Não deixe de ler violencia escolar.pdf (342,6 kB)
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